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Natal: nas trevas, a luz


Não se sabe qual o dia do nascimento de Jesus. Então, segundo Joseph Campbell, no sec IV foi instituído o costume de celebrar o Natal nessa data, na qual já se festejava o nascimento do deus Mitra.

Só que o dia 25 de dezembro marca o solstício de inverno, que é a noite mais longa do ano no hemisfério norte.
Por que justamente a pior noite do ano foi escolhida para comemorar, primeiro o nascimento de um deus pagão, e depois o de Cristo?

Porque a partir daí é que o sol vai ficando cada vez mais forte, até chegar ao seu ápice no solstício de verão.
Dessa maneira, Deus é identificado com o sol nascente: a luz que surge em meio a maior escuridão.
É o tempo de trevas que começa a passar justamente quando está em seu apogeu.
É a saúde que retorna depois de uma doença, o entendimento que vem depois de uma discórdia.

Também do outro lado do mundo, no I Ching chinês, o hexagrama 24, O Retorno, representa o solstício de inverno.
Retorno do que?
Igualmente, da energia yang, uma súbita luminosidade que aparece embaixo de cinco sombrias linhas yin.

Na Jornada do Herói, a situação limite (a provação, o sacrifício, o tempo de dificuldades, a crise, a depressão, a rendição, enfim, a escuridão) precede a chegada da bliss, o grande encontro luminoso, a culminância.
Nessas duas etapas os extremos se unem, e a polaridade claro-escuro na qual vivemos se manifesta explicitamente. Atravessar a escuridão pode nos proporcionar ‘uma enorme transformação da consciência e uma mudança radical da maneira de perceber o mundo”, como colocamos na pg 52 de nosso livro.
Ou seja, pode trazer o redentor brilho de um novo sentido para nossa vida.

Enfim, gostaria de lembrar, especialmente às pessoas para quem esse período do ano não está sendo a maravilha festiva divulgada pelos anúncios da TV, que, pelo contrário, para a sagrada família esse foi um tempo de dificuldades e privações, mas que culminou com o nascimento do pequeno menino-deus.

Ás vezes, quando estamos no meio da noite, parece que o dia não virá mais.
No entanto, se as antigas tradições nos dizem que é no auge do mais obscuro que surge o mais luminoso, podemos apostar que é assim mesmo.

Então, a nós cabe procurar o sentido da situação que vivemos, a luzinha, ainda que para achá-la seja preciso revirar todas as palhas de alguma pobre manjedoura. 
 Texto de Beatriz Del Picchia

4 comentários

  1. Obrigada meninas!
    Um alento.
    Mas sim, estamos na entrada do Verão! Sol a pino…excesso de luz, de exposição. E confusos no meio de todas as tradições.
    Onde estamos nós?
    Fazendo o caminho contrário…de fora pra dentro?
    Enfim…obrigada mais uma vez, um Natal singelo e amoroso pra vocês, beijo grande;

    Patty

  2. Anônimo disse:

    Fiquei pensando em seu inteligente comentario, Patty. De fato, se aqui estamos no do calor e da luz em sua expressão máxima, como fica toda essa tradição européia herdada de que falei?
    Bom, parece que a resposta pode ser mesmo o caminho de fora para dentro, como vc disse.
    Olha se não: ninguém nega que no Brasil (e em geral na America Latina) somos um povo mais para o extrovertido, expansivo, afirmativo, com uma vida muito mais voltada para fora do que para dentro.
    Então, se invertermos a idéia (e o hexagrama) herdados da tradição, vamos ter uma linha yin se colocando abaixo de 5 yangs (que estão dando uma excessiva claridade). O yin é a introspecção, a vida interna, a quietude, que aparece para equilibrar quando há um excesso de luz.
    Acho então que aqui, ao contrario da maioria do introvertido povo europeu, para nos equilibrarmos, o deus que nasce precisaria de mais recolhimento interno da nossa parte… E aí, para nós, o natal ideal poderia ser um tempo para um retiro, em vez de mais uma festança coletiva.
    Uma quieta manjedoura, silencio, reflexão.
    É para pensar, mesmo, né?
    Obrigada, valeu, beijão, Bia

  3. Anônimo disse:

    Pessoas queridas, fim de ano "brabo"! Encontro com a Senhora "Morte", metafórica, em várias camadas…Sombra, escuridão, introspecção, dentro para fora, antes da luz? Não sei…E o I Ching sai para mim todo luminoso, expansivo, yang! O 26, O PODER DE DOMAR O GRANDE e depois o 14, GRANDES POSSES…é, a LUZ e a ESCURIDÃO, são as duas faces da mesma moeda!
    Cris

  4. Anônimo disse:

    Bia, gostei muito da reflexão que você provoca com o seu texto. Ainda há pouco, no início do advento, Dr. Bordini levantou este assunto em um dos nossos encontros. O solstício de inverno a que Campbell se refere, é claro, é o do hemisfério norte, ao qual pertence Belém. (Aliás, o do hemisfério sul coincide com o aniversário do João Carlos.) Trata-se de uma interpretação bastante plausível, coerente com as palavras do próprio Jesus que se intitula “luz do mundo” (Jo 8-12).
    Sintonia perfeita mostrou você com Viktor Frankl, quando diz que “a nós cabe procurar o sentido da situação que vivemos”. Não atribuir sentido, mas identificar o sentido; não dar sentido, mas descobrir o sentido; não perguntar à vida, mas responder a ela, são questões básicas na teoria frankliana.
    Boff, em um de seus livros, não estou bem certa se em “Natal, a humanidade e a jovialidade do nosso Deus”, substitui a palavra Verbo, usada no prólogo do Evangelho de São João, pela palavra Sentido: “No princípio era o Sentido. E o Sentido estava com Deus e o Sentido era Deus”.
    Esses “pontos de encontro” são fundamentais para um relacionamento mais maduro, não é verdade?
    PS.: Se a sagrada família e o menino-deus fossem a Sagrada Família e o Menino-Deus, estaríamos também nós em perfeita sintonia.
    Um ano cheio de Sentido e de artigos portadores de sentido e de Sentido, é o que de melhor posso lhe desejar e às pessoas que tiverem acesso a eles.
    Saudades.
    Cida.

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