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O Feminino e os Livros:LENDO LOLITA EM TEERÃ

LENDO LOLITA EM TEERÃ, foi escrito por Azar Nafisi e publicado pela Editora A Girafa em 2004. Existe também uma versão de bolso, publicada pela Best Bolso, de 2009. 
Já disse que capas e títulos de livros me encantam e seduzem e que, as vezes, compro o livro por causa deles. Quando ouvi pela primeira vez o título desse livro (não lembro quando nem onde) fiquei fascinada: achei tão sonoro, diferente, como se prometendo o encontro com o inusitado. Comprei o livro e ele não me decepcionou! Aliás, quando li su sub-título já sabia que ia gostar: “uma memória nos livros”. 

 O livro tem uma estrutura bem diferente. É parte da vida da autora, iranina educada em colégios ingleses e suiços, depois graduada e pós-graduada nos Estados Unidos,  que volta ao Irã com cerca de 30 anos, logo após a revolução que depôs o Xá Reza Pahlavi e que trabalha como professora de literatura inglesa em algumas universidades de Teerã. O livro cobre esse tempo (1979) até 1997 quando emigra com a família para os Estados Unidos. É dividido em quatro capítulos “batizados”com títulos de livros ou com o nome de um escritor. O tom de cada capítulo é dado pelo autor e/ou pelo do livro que dá título a ele. 

O primeiro capítulo, LOLITA começa, numa cronologia as avessas, em 1995 após a autora se demitir do seu último cargo como professora universitária, por não suportar mais regras impostas as mulheres e aos professores pelo regime dos aiatolás. A revolução dos aiatolás já esta completamente instalada no Irã e as restrições e imposições, especialmente às mulheres são tão non sense, que seriam ridículas, se não tivessem consequências tão trágicas. Então, transgredindo leis absurdas reune 7 ex-alunas suas para lerem e refletirem sobre literatura e sobre a vida, uma vez por semana em sua casa. O capítulo (e boa parte do livro) vai girar em torno dessas reflexões, do que estava acontecendo no Irã, especialmente às mulheres e sobre a histórias de cada uma das sete mulheres e a da autora. Nafisi conta sobre essas condições através das histórias de sua alunas, ao mesmo tempo que fala da resistência delas e da libertação através da literatura. E vai comparando a fragilidade e a impotência da personagem Lolita diante de seu “carrasco” Hubert e a fragilidade e a impotência de “suas meninas” e dela mesma diante da absurda ditadura islâmica dos aiatolás. 

O segundo capítulo GATSBY começa exatamente com seu retorno ao Irã, em 1979, suas primeiras aulas na Universidade e os primeiros momentos da revolução, onde ainda não estava claro seus rumos e se misturavam organizações liberais, marxistas e religiosas. Todo esse caos e muito da falta de sentido que ocorria nessa época culmina com um “julgamento” do livro O GRANDE GATSBY entre seus alunos! Ela reflete então sobre a impossibilidade dos sonhos de Gatsby e sobre suas perdas e sua morte e a morte do sonho da revolução do Irã. 

O terceiro capítulo (Henry) JAMES, começa em 1980 com a guerra Irã- Iraque e sua expulsão da universidade por se recusar a usar o chador ou a túnica e o véu (as mulheres não podiam sair de casa sem essa vestimenta e se o fizessem podiam ser presas e açoitadas com 75 chibatadas, isto, na década de 1980…). Como conta ela sentiu tornar-se irrelevante e só encontrou refúgio nos livros, em seus dois filhos que nasceram nessa década e em um grupo que se formou e se encontrava semanalmente para estudar litaratura persa clássica. Começa também a escrever artigos para revistas, especialmente crítica literária. Acaba aceitando voltar a lecionar em outra universidade, apesar de ter de usar o véu. O capítulo termina quando termina a guerra em 1988 e com a morte do aiatolá Khomeini em 1989. O capítulo é permeado pela reflexão da impossibilidade de um regime como se instalou e de pessoas que aderiram integralmente a ele não conseguirem sequer entender as sutilezas do amplo espectro entre o bem e o mal, da incapacidade da compaixão e do horror da guerra, que ela vê nos romances e na vida de Henry James. 

O último capítulo chamado (Jane) AUSTEN vai de novo a 1995/96 onde ela está lecionando em casa para suas sete alunas. Nesse capítulo ela vai refletir sobre as liberdades individuais, privadas, como ela chama e como o regime instalado no Irã as viola. Fala muito dos livros de Jane Austen e de suas heroínas corajosas que se negam a casar com quem a família deseja. Vai fazer um paralelo entre essa “liberdade”e a liberdade que suas “meninas” e as mulheres tem no Irã daquela época e de como o regime vai sufocando e aprisionando quase todos aspectos da vida cotidiana. Não suportando mais resolve, depois de muita luta interna, sofrimento e hesitação emigrar de vez com a família para os Estados Unidos. Mas, como diz, deixa o Irã, mas o Irã não sai dela e como lhe fala um amigo, a Jane Austen para ela é aquela matizada pela experiência dela como iraniana vivendo naqueles tempos. 
O livro termina com um pequeno epílogo, já trabalhando como professora nos Estados Unidos, tendo escrito esse livro e dá conta um pouco com o que aconteceu com suas “meninas”depois que ela se foi do Irã. 

Talvez minha descrição dos capítulos dê a impressão que o tom do livro é essencialmente político, mas não é de forma alguma. É sobre como pessoas, especialmente mulheres reagem, pensam, sentem e sobrevivem em circunstâncias tão opressivas e de como a literatura pode trazer o potencial de transcendência dessas mesmas circunstâncias. 
O livro é muito original, riquissimo em temas, extenso (tem quase 500 páginas), não obedece a nenhum estilo conhecido e por isso é muito difícil falar dele em um post, mesmo que enorme como esse. O que posso garantir é que ele que me tocou em profundidade e que é muito prazeiroso de ler. Aliás, ler esse livro, na minha opinião, extraordinário, é uma aventura plena de recompensas! 

Texto de Cristina Balieiro

1 comentário

  1. Odete Tjiago disse:

    Também li o livro Lendo Lolita em Teerã e adorei

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