O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

O Feminino e os Livros: O LIVRO DE ZENÓBIA

O LIVRO DE ZENÓBIA foi escrito por Maria Esther Maciel e lançado pela Lamparina Editora, em 2004. Maria Esther é escritora e professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 
O livro conta a vida da personagem Zenóbia, através de pequenos relatos dispostos em categorias criativas e, as vezes inusitadas, mas que fazem todo sentido para contar a vida de uma mulher: as idades de Zenóbia, os amores de Zenóbia, as receitas de Zenóbia, das amigas, por exemplo. Ou ainda mais sutis: os que já não são (sobre seus mortos), rastros e pelos (sobre seus bichos), album de família (sobre suas avós e outras velhas) e assim vai. Depois vem 4 contos que Zenóbia escreveu e sua série de listas. Vejam algumas das listas dela: ervas daninhas, aves em perigo, palavras favoritas, livros de cabeceira… Segue NOTA, onde estão os dados biográficos dela e no final depoimentos sobre ela. 

Toda esse relato ficcional vai construindo/costurando uma personagem feminina absolutamente encantadora e “real”, além de ser escrito numa linguagem lírica, repleta de belas imagens e metáforas. Esse é um daqueles livros onde a prosa é, de tal forma poética que quase podemos dizer que estamos lendo poesia. 
Vejam alguns exemplos: 

AS IDADES DE ZENÓBIA – Aos dezoito anos, Zenóbia tinha olhos ávidos e não usava óculos. (…) Aos trinta e dois anos, Zenóbia tinha olhos óbvios e ainda não usava óculos. (…)Aos quarenta anos, Zenóbia tinha olhos sóbrios e passou a usar óculos com aros de tartaruga. (…) Aos cinqüenta e oito anos, Zenóbia tinha olhos sólidos, sob os óculos de lentes turvas. (…) Aos setenta e quatro anos, Zenóbia tinha olhos estóicos por detrás dos óculos de hastes curvas. (…) Aos oitenta e dois anos, Zenóbia parece ter setenta e quatro. Os olhos, sob as lentes sem aro, estão ilágrimes. (…) Já não há dor ou noite para a sua alma, é claro. Na aura da idade, já sabe quase tudo. E todos já pensam que ela é um milagre. Ou um sonho. 

MIRABILIS E BONINAS – Em 1987, Zenóbia conheceu na rua uma mulher que vendia palavras. Eram todas inventadas. Encantou-se com “ilágrime”. Comprou-a, sem alarde. Porém, mais tarde, soube que essa era uma palavra roubada. (…) Alicia Mirabilis foi o nome que Zenóbia usou quando publicou o seu livro sobre os milagres de Santa Clara. Já ao escrever sobre Tereza d´Ávila, escolheu o nome Notylia. Descobriu-o quando pesquisava orquídeas numa ilha que inventou no dia de sua maior alegria. 

ÁLBUM DE FAMÍLIA – A outra avó de Zenóbia era uma quitandeira de mão-cheia. Seu tempo não tinha o mofo dos que em geral vivem muitos anos. Renovava-se a cada biscoito, cada papo-de-anjo. (…) Não à toa Zenóbia via naquela avó adotada, que morava na casa dos fundos com três cães vira-latas, uma espécie de fada. Suas palavras eram sempre claridades. Feitas de um saber raro, desses que mais parecem inventados. 

AS RECEITAS DE ZENÓBIA – Uma salada de melancia gelada com hortelã e queijo de cabra se faz às onze e vinte da manhã de um dia de muito sol e chuvas esparsas. (…) Torta de abóbora com canela e gengibre é um prato para quando se está triste. (…) Em dezessete minutos pode-se preparar um espaguete ao molho de três ervas. Um prato que – como se sabe – condiz com os dias felizes e as horas ternas. 

AS HORAS FELIZES – De suas duas tias Zenóbia sempre recebia dádivas quando menos esperava. Uma, a versada em frases e palavras, doou à sobrinha as metáforas mais divinas. A outra, afeita aos afetos duráveis, deu-lhe uma imagem de Santa Teresa d’Ávila. Com elas, Zenóbia aprendeu a criar sozinha suas próprias paisagens. 

Como vocês podem ver por esses pequenos fragmentos, a linguagem que Maria Esther Maciel usa para falar de sua personagem traz embutida tal bela delicadeza que nos sensibiliza e muitas vezes emociona. 
E a parte gráfica do livro é de uma beleza à parte. A capa, a contracapa e todo o livro são ilustrados por Elvira Vigna com lindas plantas e flores, feitas num traço muito delicado e baseadas na obra “The New Herbal of 1543” de Leonhart Fuchs (1501-1566) um médico alemão e um dos patriarcas da botânica. 

Eu ganhei esse lindo livro da Bia no Natal de 2005 e AMEI! 
Se você estiver procurando um presente para dar para uma amiga querida nesse Natal acho que esse livro é uma escolha maravilhosa!

Texto de Cristina Balieiro

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