O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

O Feminino e os Livros: O RIO DO MEIO

O RIO DO MEIO, de Lya Luft foi lançado em 1996 pela Editora Record e foi o vencedor naquele ano do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) na categoria “Melhor Obra do Ano”. Foi também um dos pioneiros em um gênero indefinido e inusitado na literatura brasileira: nem ficção, nem relato jornalístico, ensaios talvez. 

Como Lya diz no primeiro capítulo, intitulado ASSOBIANDO NO ESCURO: 

Este será, sobretudo, o meu livro de interrogações… 

Falando ora em primeira pessoa, ora em terceira, Lya vai se “interrogar” e fazer que nos interroguemos sobre questões básicas da vida. Não dá respostas, mas nos alimenta com perguntas e reflexões preciosas. 
Além do primeiro, são mais 7 capítulos: 

2. Eu falo de infância e madureza 

Os adultos puseram-se a rir , mas ela continuou nesse amoroso jogo com palavras, frases, poemas inteiros, com imagens e invenções. Tinha aprendido: havia felicidades que era impossível dividir. 

Encontrara em si uma pequena alma transgressora, ainda que de limites tão ínfimos que alguns até achariam graça. Naquele dia compreendeu que amadurecera. Entrou em uma joalheria e comprou um anel que nunca mais tirou do dedo: sua aliança consigo mesma e com sua verdade. 

3. Eu falo de mulheres e destinos 

Todas temos o grão da inquietude – talvez salvadora – por uma terra prometida. 

4. Eu falo de homens e seus sonhos 

Era como se não admitíssemos que (os homens) sentem e sonham, são ternos ou sofrem de solidão; às vezes falamos como se fossem menos humanos do que nós

5. Eu falo da vida e de suas mortes 

Tive perdas, e se multiplicaram com o passar do tempo. Tive ganhos, num saldo que não faz me sentir injustiçada. Especialmente, não perdi o desejo de sonambular sobre os telhados ou balançar na ponta do galho de algum êxtase secreto, nem esse obstinado, quase anacrônico amor à vida e à simplicidade – ou não teria sossego nem disciplina para registrar minha invenções. 

6. Eu falo de ficções como realidade 

Nasci enrolada na teia das palavras, como crianças dos contos infantis nascem sob o sortilégio de alguma fada madrinha – nunca se sabe se boa ou má. 

7. Notas para um roteiro improvável 

Nunca pergunto a ninguém se quando estou no meu estado de sonho pairo um pouquinho acima do chão. Isso não me tornaria menos viva, nem menos real. 

8. Deus é sutil 

Entre sótãos e porões segue o rio do meio. 

E voltando ao primeiro capítulo: 

Minhas ficções são a ponte sobre o fosso que separa o sonhado e o real. Nela caminha quem, como eu, ofuscada pela luz que vem de cima, examina a sombra instigante que se estende embaixo – e nessa indagação vive parte de seu destino. 

É muito bela sua linguagem: concisa, precisa, ora clara ora metafórica e sobretudo poética. Para mim, é  tão emocionante seu linguajar que muito frequentemente me vinham lágimas ao ler/reler esse livro! Tão doce no mostrar o fruir da vida e ao mesmo tempo tão cruel e tocante na exposição da dor da alma de uma criança, de uma mulher, de um homem, como é a vida.
Feminino e forte, lúcido e poético esse livro: LINDO!

Texto de Cristina Balieiro

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