O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

Mari, a deusa basca


Acredita-se que os bascos são o povo mais antigo a habitar o continente europeu, anterior às invasões dos indo-europeus. Atualmente os bascos ocupam um território que se estende do golfo de Biscaia aos montes Pirineus e se divide em províncias no norte da Espanha, onde vive 90% de sua população e no sudoeste da França. Apesar da influência implacável da cultura indo-europeia e do império romano nessa parte da Europa, a religião e a base mítica basca, que era de tradição oral resistiu por muito tempo, provavelmente pelo isolamento da região. No entanto, depois da cristianização dos bascos suas antigas crenças sobreviveram somente em lendas, contos populares e no folclore.

Sua mitologia era basicamente ctônica – todos os deuses viviam na superfície ou no interior da Terra, com o céu visto somente como um espaço pelo qual as divindades transitavam. A antiga religião era centrada na grande deusa Mari, sua deidade suprema, a Soberana da Terra, a própria personificação da natureza. Seu nome significa “rainha” e todos os outros deuses e seres míticos respondiam a ela.
Diziam que Mari habitava uma gruta dentro das montanhas, uma gruta muito bela toda feita de ouro e pedras preciosas. Moravam com ela suas auxiliares, as Laminak, ninfas com pés de pássaros que viviam em um rio subterrâneo que existia dentro da gruta. Mari tinha também como ajudantes as Sorgiñak, feiticeiras que ajudavam especialmente as mulheres em trabalho de parto e os Basajaunes, os guardiões dos bosques.
Nas noites em que não permanecia em sua caverna, Mari dormia no topo das montanhas. Para saber o lugar exato onde ela estava dormindo bastava olhar para o alto: o pico onde adormecera ficava encoberto por pesadas nuvens cinzentas.

Mari regia os ciclos da natureza e da vida na Terra. Comandava todos os fenômenos naturais e podia tanto trazer a fertilidade e a abundância, como a escassez. Era também a tecelã do destino de tudo e de todos. Tecia os destinos usando fios de ouro.
Era Mari quem comandava a justiça. Como condenava a mentira, o roubo, a vaidade e o egoísmo, a falta de ajuda mútua e de visão de comunidade, castigava duramente quem tinha esses comportamentos.
Recebia oferendas de carneiros ou moedas para a obtenção de graças ou para proteção contra as tempestades. Contam que quem queria ir à sua caverna para solicitar ajuda deveria cumprir rigorosamente três preceitos: tratá-la sempre por Senhora, sair da gruta da mesma forma que entrou, isto é, sair recuando e não lhe dando as costas e não se sentar a não ser que ela convidasse a fazê-lo.

Mari era casada com Maju, uma serpente de fogo. Maju também era chamado de Sugaar, sendo nessa manifestação a personificação dos trovões e relâmpagos. Ele visitava Mari todas as sextas-feiras para ajudá-la a pentear seus longos cabelos, mas em todas as visitas eles acabavam travando uma feroz batalha, o que normalmente antecipava fortes tempestades.
O casal teve dois filhos, Atarrabi, compassivo e relacionado a estrela polar. Quando ela brilhava no céu era prenúncio de boa sorte para o povo. O outro filho Mikelats, também relacionado a uma estrela, trazia desastres naturais, como deslizamento de terra ou desmoronamento de rochas. Se a estela de Mikelats brilhasse no céu era sinal de mau agouro.

Mari era uma deusa multifacetada: podia se apresentar das mais diferentes formas. Podia aparecer como uma bela mulher, imponente, ricamente vestida e ornada com belas joias; podia aparecer como uma mulher forte e musculosa conduzindo uma carruagem pelos céus puxada por quatro fogosos cavalos brancos, como uma mulher em chamas cruzando velozmente o céu envolta em labaredas, como mulher domando e montada num carneiro, como uma mulher tecendo em seu tear tramas com fios de ouro, como uma mulher enorme com a cabeça rodeada pela Lua, como uma frondosa árvore com rosto de mulher, como um corvo ou abutre num grande voo, como uma súbita rajada de vento de chuva , como uma imensa nuvem branca, como um belo arco-íris ou até como uma cabra ou um bode.
Múltiplas manifestações, diversas facetas, mas sempre Mari, a Grande Deusa, a Amalurra ou Mãe Terra, a Senhora do Grande Poder.

Trechos do livro O LEGADO DAS DEUSAS 2

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.