O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

Mulheres velhas, o sal da terra

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As tragédias do terremoto e da guerra na Ucrânia me lembraram esse conto/poesia sobre as valentes velhas que passam por tanta coisa, sobrevivem, “não sentem aversão pelo lixo humano” e corajosamente seguem, “retiram a sujeira” e … “levam os restos / enterram os mortos / plantam flores / nas tumbas”. 

CONTO SOBRE AS MULHERES VELHAS – Tadeusz Różewicz

“Gosto das mulheres velhas
as mulheres feias
as más mulheres

são o sal da terra

não sentem aversão
pelo lixo humano

conhecem a outra face
de uma medalha
do amor
e da fé

vêm e vão

os ditadores endoidecem
têm as mãos manchadas
com sangue de seres humanos

as mulheres velhas levantam-se pela madrugada
compram carne fruta pão
limpam cozinham
permanecem na rua com os braços
cruzados calam

as mulheres velhas
são imortais

Hamlet agita-se na rede
Fausto faz um papel vil e ridículo
Raskólnikov golpeia com um machado

as mulheres velhas são
indestrutíveis
sorriem com indulgência

deus morre

as mulheres velhas levantam-se cada dia
pela madrugada compram pão vinho peixe

morre a civilização

as mulheres velhas levantam-se pela madrugada
abrem as janelas
retiram a sujidade

morre um homem

as mulheres velhas
levam os restos
enterram os mortos
plantam flores
nas tumbas

gosto de mulheres velhas
de mulheres feias
de más mulheres

crêem na vida eterna
são o sal da terra
o córtex de uma árvore

são os olhos submissos dos animais

vêem na sua justa medida
a covardia e o heroísmo
a grandeza e a insignificância
como as exigências
de um dia quotidiano

seus filhos descobrem a América
caem nas Termópilas
morrem nas cruzes
conquistam o cosmos

as mulheres velhas saem de madrugada
para a cidade compram leite pão
carne condimentam a sopa
abrem as janelas

só os idiotas se riem
das mulheres velhas
das mulheres feias
das más mulheres

porque são mulheres belas
mulheres boas
mulheres velhas

são um ovo
são um segredo
sem segredos
são uma bola que roda

as mulheres velhas
são múmias
dos gatos sagrados

são pequenos
murchos
secos
frutos mananciais
ou gordurosos

budas ovais

quando morrem
brota do olho
uma lágrima
que se une na boca
com o sorriso
de uma mulher jovem”

 

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