O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

A humanidade, o psicólogo e a esperança, por Ricardo Kelmer

Texto de RICARDO KELMER


Nessa sexta-feira 18/11, nosso amigo Kelmer, um homem de múltiplas habilidades, vai apresentar seu delicioso espetáculo Viniciarte , com poemas, musicas e historias do poetinha. Já vi e recomendo! Informações em blogdokelmer.wordpress.com

Mas hoje reproduzimos aqui um artigo seu, mais compenetrado, no qual ele leva a humanidade para o divã junguiano. Em sua visão otimista, que compartilho em parte, nós estamos nos unificando, unindo os opostos…
Bom, esperamos que ele tenha razão!


A psicologia de Jung nos ensina bastante sobre o desenvolvimento psíquico do indivíduo mas também pode ser um bom instrumento para entendermos melhor a humanidade. Pela ótica da psicologia junguiana, é possível encarar com certo otimismo o atual momento de medo e incerteza que vive o mundo, apesar do fanatismo religioso, do terrorismo e da xenofobia. Ou melhor: justamente por causa disso.
Em determinado momento do desenvolvimento psíquico, o indivíduo descobre certos aspectos de si mesmo que antes eram inconscientes mas agora o desagradam. É um conflito de identidade, alimentado pela recusa de aceitar a si próprio e não reconhecer a própria totalidade. Muitas pessoas não vencem o conflito interior e seguem divididas, enganando-se e brigando consigo mesmas, e a perpetuação dessa desunião interna destrói relações e traz insucessos, doenças e até incidentes fatais. A saída para o conflito é integrar os novos conteúdos à consciência, unindo os opostos e aumentando a percepção do que se é. É esse autoconhecimento que conduz à maturidade e traz harmonia ao ser.
No caso da humanidade, não é nada harmonioso seu momento atual: as culturas se misturam cada vez mais e as diferenças incomodam a todos. Cada lado tem suas razões e seguirá lutando por elas. Até quando? Até o ponto em que a humanidade, como um todo, reconhecer e integrar suas próprias diferenças, aumentando a compreensão do que ela é. Dessa forma, o que antes era feio, errado e ameaçador, passa a ser visto como pertencente à cultura humana.
Para superar sua crise, assim como qualquer um de nós, a humanidade precisaria tornar-se mais transparente para si mesma. E é justamente o que acontece agora. Graças ao intenso entrelaçamento das culturas e ao fortalecimento da democracia, a humanidade tem hoje um grau inédito de autoconhecimento e isso impede que ela minta para si própria com antes fazia. Num mundo cada vez mais interconectado, essa transparência nos faz perder o medo daquilo que antes nos ameaçava do canto escuro da nossa própria ignorância sobre quem somos. A humanidade torna-se, a cada dia, uma humana unidade.
Tornar-se uno… Eis um processo doloroso. Mas cada um de nós já passou por isso: na infância a psique é uma massa inconsciente que aos poucos agrupa seus próprios conteúdos dispersos e forma o ego, a noção de eu. Depois de criado, a esse eu caberá a tarefa de continuar organizando-se vida afora sempre que novos elementos inconscientes surgirem à consciência. Na psicologia junguiana isso se chama processo de individuação, que significa tornar-se um “in-divíduo”, ou seja, uma totalidade autoconsciente e não dividida.
É aqui onde mora o motivo para otimismo: os acontecimentos mostram que a humanidade está se unificando, unindo seus opostos. Sua noção de eu está se ampliando. Sim, há focos de resistência, como a xenofobia e os preconceitos raciais e sexuais, mas isso faz parte do processo. O multiculturalismo e um novo senso de cidadania, a cidadania global, cada vez mais se impõem frente a percepções limitadas sobre quem somos.
Se a humanidade de hoje fosse a uma consulta, seu psicólogo seguiria junto com ela pelas dores da crise, sim, mas por dentro sorriria esperançoso. Como certamente Jung faria.

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