O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

Convide a raiva para sentar

Mulheres lobas

No delicado conto O urso da meia lua, Clarissa Pinkola trabalha com o tema da raiva,  emoção que dá e retira força. E sugere que se trabalhe a raiva chamando a Curandeira para lidar com ela. Trechos de Mulheres que correm com os lobos:

“Toda emoção, mesmo a raiva, possui conhecimento, insight, o que alguns chamam de iluminação. Nossa raiva pode, por algum tempo, ser nossa mestra… algo de que não devemos nos livrar tão rápido, mas, sim, pelo que devemos escalar a montanha, algo a ser identificado, algo com que aprender, algo a ser tratado internamente e depois ser transformado em algo útil para o mundo, ou algo que deixamos voltar ao pó. Na vida selvagem, a raiva não é um item isolado. Ela é uma substância à espera de nossos esforços transformadores.

O ciclo da raiva é como qualquer outro ciclo: ela sobe, cai, morre e é liberada como energia nova. Quando nos permitimos aprender com nossa raiva, assim transformando-a, nós a dispersamos. Nossa energia volta para ser usada em outras áreas, especialmente na área da criatividade.

Embora algumas pessoas aleguem conseguir criar a partir de uma raiva crônica, o problema é que a raiva limita o acesso ao inconsciente coletivo — esse infinito reservatório de imagens e pensamentos imaginários — de tal forma que a pessoa que cria a partir da raiva costuma recriar a mesma coisa inúmeras vezes, sem produzir nada de novo. A raiva não-transformada pode se tornar uma mantra constante acerca de como fomos oprimidas, feridas e torturadas.

Uma das minhas amigas, companheira de representações, que afirma ter sempre sentido raiva, recusa toda e qualquer ajuda para enfrentá-la. Quando escreve roteiros sobre a guerra, fala de como as pessoas são más; quando escreve roteiros sobre a cultura, personagens perversos também aparecem. Quando escreve sobre o amor, surgem as mesmas pessoas com más intenções idênticas. A raiva corrói nossa confiança de que algo de bom possa ocorrer. Aconteceu algo com nossa esperança. E por trás da falta de esperança geralmente está a raiva; por trás da raiva, a dor; por trás da dor, normalmente algum tipo de tortura, às vezes recente, mas quase sempre muito remota.

Em vez de procurar ter um “bom comportamento” e não sentir raiva, ou em vez de usá-la para incinerar todo e qualquer ser vivo num raio de cem quilômetros, é melhor primeiro convidar a raiva para se sentar conosco, tomar um pouco de chá e conversar para que possamos descobrir o que provocou essa sua visita.

As curandeiras nos contos de fadas representam geralmente um aspecto calmo e imperturbável da psique. Muito embora o mundo externo possa estar em ruínas, a curandeira interna não se perturba com tudo isso e mantém a calma para calcular o melhor meio de prosseguir. A psique de toda mulher contém essa “ordenadora”. Ela faz parte da psique natural e selvagem, e nós já nascemos com ela. Se a tivermos perdido, podemos invocá-la novamente ao examinar com calma a situação que provoca nossa raiva, projetando-nos para o futuro para decidir, a partir desse ponto privilegiado, o que nos deixaria orgulhosas do nosso comportamento passado, e depois agindo de acordo com isso. “

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