O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

Indicação de livro: Condições nervosas


Nessa minha “saga” de ler romances de escritoras da África cheguei a esse livro extraordinário de Tsitsi Dangarembga, do Zimbábue: “Condições nervosas”. É um dos melhores livros que li nos últimos anos. A partir dele conheci essa mulher extraordinária e magnifica escritora. Foi lançado em 1988, mas  no Brasil só em 2019. Ele faz parte de uma trilogia com as mesmas personagens, o segundo lançado em 2006 e no Brasil em 2021 (já estou lendo) e o terceiro em 2020 e que já está em processo de tradução para ser lançado no Brasil, todos pela editora Kapulana. Aliás essa editora tem uma proposta para lá de interessante.
Recomendo fortemente a leitura desse livro! Editora Kapulana

Segue um reportagem feita pelo Globo, falando do livro e de Tsitsi: Pode se dizer que a obra “Condições nervosas” da escritora Tsitsi Dangarembga, eleita uma das “100 histórias que moldaram o mundo” pela rede britânica BBC, é um exemplo daquele ditado: “já nasceu clássico”. A singularidade da voz de uma personagem feminina lutando contra os efeitos do colonialismo e do patriarcalismo, aliada a potência narrativa da autora do Zimbábue, tornaram o livro uma referência imediata entre escritores contemporâneos do continente africano. Agora, após três décadas de seu lançamento em 1988, a obra finalmente chega ao Brasil.
E o fato da voz de uma mulher africana ainda ser algo raro entre os clássicos do cânone literário evidencia uma grande lacuna na literatura universal. É o que aponta a própria autora, em entrevista por e-mail ao GLOBO. Não enxergar a experiência feminina da África representada na literatura foi uma das centelhas que a levaram a escrever esse romance de formação.
— Ainda estamos lidando com nossos legados coloniais e o modo como afetam principalmente as vidas de meninas e mulheres jovens — afirma a autora do livro, ranqueado entre os clássicos “Os filhos da meia-noite”, de Salman Rushdie, e “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupery na lista da BBC.
“Condições nervosas” se passa na Rodésia (atual Zimbábue) devastada pela guerra civil durante as décadas de 1960 e 1970. A obra narra a saga da jovem Tambu, que sonha com uma educação que lhe é negada pela família. Sob o peso da pobreza e das estruturas do patriarcalismo, seus pais acham que é mais importante que seu irmão Nhamo vá para a escola, enquanto ela aprende os afazeres de casa. Até que um evento trágico (a morte de Nhamo) abre uma oportunidade para que ela estude. Fato que é narrado já na primeira frase do livro de forma perturbadora: “Não lamentei quando meu irmão morreu”.
O título do romance é uma alusão ao prefácio de Jean-Paul Sartre ao livro “Condenados da terra”, de Franz Fanon. A “condição nervosa” do nativo é, de acordo com o resumo do francês sobre a obra de Fanon, uma relação entre colonizador e colonizado, que condena o segundo a um constante distúrbio psicológico.
Peso do racismo
Ao longo do livro, esses danos que a experiência colonial exerce na construção subjetiva das pessoas aparece em outras personagens, como em Nyasha, prima de Tambu. Depois de viver na Inglaterra com os pais por vários anos, ela retorna à Rodésia e vive num constante conflito entre a imagem ocidental e a identidade africana. E, por fim, acaba criando distúrbios alimentares ligados a imaginários de beleza que lhe foram introjetados na Inglaterra.
— Sociedades patriarcais causam inferioridade em jovens garotas e isso permanece quando elas se tornam mulheres — analisa Dangarembga, que busca referência em escritoras como Toni Morrison e Maya Angelou.
A história, aliás, tem contornos autobiográficos. Nascida na Rodésia em 1959, Tsitsi Dangarembga passou parte da infância e adolescência na Inglaterra, onde teve que conviver com o peso do racismo no país. De volta ao Zimbábue na década de 1980, passou a estudar na Universidade de Harare, na capital do país, onde escreveu o romance que correu sérios riscos de não sair do papel.
Os editores do Zimbábue na época — todos homens — não estavam interessados na história. Assim, ela conseguiu publicá-lo somente na Inglaterra pelo selo “Women’n press”, e tornou-se a primeira mulher negra do Zimbábue a lançar um livro em inglês.
A autora passou a se dedicar a expurgar séculos de repressão social do intelecto e dos corpos de mulheres africanas através da arte. E não só nos livros: além de escritora, ela também é cineasta e dramaturga. Formada em cinema em Berlim, ela assina o roteiro do filme “Neria” (1993), que se tornou a maior bilheteria da história do Zimbábue.
Após morar alguns anos na Europa, Dangarembga retornou ao país natal em 2000, onde criou projetos que formam mulheres artistas e cineastas. Fundou ainda a produtora Nyerai Films e o Festival de Cinema Feminino de Harare.

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