O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

O Feminino e os Livros: O VIOLINO CIGANO

Assim que entrei num dos meus últimos empregos como pessoa de RH (há umas duas encarnações atrás) meu diretor me chamou e me pediu para organizar o evento de comemoração do dia das secretárias! Eu quis morrer: além de achar que tinha sido contratada para fazer algo mais relevante, achava e acho ainda, que ter um dia para comemorar e fazer um evento para o grupo de secretárias o cúmulo do machismo. Nada contra as secretárias, muito pelo contrário, acho que merecem todo o respeito como qualquer outro profissional, mas na verdade, penso que ao parecer distinguí-las ( e vejam sempre tratadas no feminino, nunca se pensa nos secretários) estamos a discriminá-las. Da mesma forma que chamar uma mulher que trabalha em casa e cozinha, limpa, organiza a casa, cuida das crianças e etc, etc, de “rainha do lar”, fazer um evento para agradar as “meninas”, como ele me recomendou, é ser condescendente e machista. As secretárias não são meninas, nem anjos da guarda de seus chefes, nem extensão deles mesmos que existem para fazer da vida desses poderosos mais agradáveis, são profissionais, como quaisquer outras e ao fazer um dia e uma festa para elas, no meu entender é discriminatório! 
Disse tudo isso a ele, mas não o convenci! 

Então meio revoltada com a incumbência resolvi fazer algo diferente. Havia ouvido falar de uma tal de Regina Machado, contadora de histórias para adultos, que havia feito curso de teatro de rua em Nova Iorque, que era professora da USP e que fazia espetáculos para diferentes platéias. Entrei em contato com ela e organizamos o evento com ela contando diversas histórias, todas focadas em heroínas, personagens femininas que se tornaram protagonistas de sua história e, depois do espetáculo abrimos um debate sobre esse tema. Havia mais de 30 mulheres no evento e não sei quantas gostaram, mas sei por depoimentos feitos para mim, até alguns anos depois, que muitas se sentiram fortemente impactadas e que as fez pensar muito no que é ser mulher. 

Essa longa introdução é para falar do livro O VIOLINO CIGANO E OUTROS CONTOS DE MULHERES SÁBIAS, recontados pela Regina Machado e editado pela Cia das Letras, em 2004. 
Nesse livro Regina Machado reconta 16 contos da tradição oral de diferentes povos, indo da Índia ao Tibete, da tradição árabe a tradição algoquim dos indígenas americanos, de um conto irlanês a um brasileiro. Em comum só o fato de todos serem protagonizados por mulheres; com foco nas heroínas e não nos heróis, como de costume nas histórias. 
O livro traz histórias poéticas, engraçadas, fortes, pitorescas, encantadoras, surpreendentes, misteriosas, emocionantes, mas todas, de uma forma ou outra nos impactam! Todas, de alguma maneira, falam a nós, mulheres e podem resgatar algum aspecto nosso negligenciado ou esquecido. A introdução do livro também é sensacional porque Regina fala um pouco da força desse contos dos povos. 

Anos depois do evento que relatei acima, conheci minha amiga e parceira Cassia Simone, a melhor contadora de histórias do mundo (me desculpe, Regina Machado) e usamos MUITAS histórias desse livro nos círculos de mulheres que coordenamos. E assim como naquele evento de anos atrás, vi nos nossos círculos a força transformadora inacreditável das histórias tradicionais. 
Se você gosta de histórias e quer pensar sobre o feminino, leia esse livro! 

 

 

Texto de Cristina Balieiro

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