O Feminino e o Sagrado um jeito de olhar o mundo

O Feminino e os Livros: OS MISTÉRIOS DA MULHER

“OS MISTÉRIOS DA MULHER – antiga e contemporânea” foi escrito pela analista junguiana M. Esther Harding (1888-1971) e lançado pela primeira vez em 1935, com uma nova edição revista em 1955. No Brasil foi publicado na série Amor e Psique, da editora Paulus em 1985. 

Esther Harding, inglesa e médica faz parte da primeira leva de mulheres a estudaram com Jung e se tornarem analistas junguianas. Conhece Jung quando ele apresenta um seminário na Inglaterra e o segue para Zurique, onde estuda por três anos. Após esse tempo muda-se para os Estados Unidos, onde junto com outras duas mulheres ligadas a Jung, Eleonor Bertine e Kristine Mann, inaugura o primeiro Clube de Psicologia Analítica de Nova York. Permanece residindo nos Estados Unidos, até falecer, apesar de voltar com frequência a Zurique para continuar estudando e colaborando com Jung. Foi uma figura muito importante na difusão da psicologia junguiana nos Estados Unidos. 

A história da origem desse seu livro é muito interessante. Quando se mudou da Inglaterra para Zurique frequentava os vários seminários que Jung proferia. Num deles estavam estudando o sonho de um homem sobre um caldeirão que continha crescentes (a forma produzida quando um círculo é parcialmente obturado por um outro círculo) e cruzes. Jung dividiu a classe em dois grupos e pediu que metade estudasse o simbolismo da cruz e a outra do crescente. Harding estudou o crescente e sua pesquisa foi tão interessante e profunda que Jung encorajou-a a ampliá-la e prepará-la para publicação, isso em 1929. Esse foi o princípio do livro OS MISTÉRIOS DA MULHER, que inclusive é prefaciado pelo próprio Jung. 

Nesse livro Esther Harding vai buscar “descobrir/revelar” o que é o princípio feminino em sua essência. Apesar de todos nós, mulheres e homens termos, segundo Jung,  psicologicamente os dois princípios, os princípios atuam diferentemente para os dois gêneros. O princípio feminino nos homens comanda essencialmente seu inconsciente e o que os domina é o masculino. Nas mulheres o que comanda sua psicologia/seu mundo interior é princípio feminino mesmo que isso seja para elas inconsciente. 

Para estudar esse princípio em sua dimensão arquetípica a autora vai buscar como Símbolo principal a Lua e seus mitos através dos tempos e dos povos. O livro traz uma vastíssima mitologia sobre a lua, cobrindo vários lugares, vários povos e vastos períodos de tempo. Começa com mitos e ritos de povos bem primitivos da antiguidade, assim como tribos primitivas que vivem ainda hoje, como os maoris da Austrália, onde a lua ainda era vista diretamente como uma deusa. 
Depois vai falar de uma etapa posterior onde começam a parecer as deusas da lua, nas mais diversas civilizações como a suméria, a babilônica, a assíria, etc e depois chegando a civilizações mais próximas como egípcia e grega. 

É a partir desses mitos que vai decodificar o princípio feminino. A cada mito vai buscar o símbolo, a metáfora daquilo que o compõe. E vai também mostrando a ligação da evolução e sofisticação cultural da mitologia da lua, através dos tempos históricos, com o potencial de amadurecimento psicológico e espiritual do princípio feminino nas mulheres. 

Existe um capítulo sensacional, o quinto, chamado O CICLO LUNAR DAS MULHERES. Nele vai discorrer como o corpo e a psique masculina é regida pelo ciclo do sol – dia/noite – e o corpo e a psique das mulheres é regido por além desse ciclo solar, de 24 horas, pelo ciclo lunar, de alteração diária e com duração de 28 dias. Isso faz com que o rítmo, inclusive da energia psíquica, nas mulheres seja muito mais complexo e mutável. Em suas palavras:

“…para as mulheres a própria vida é cíclica. A força da vida se movimenta e flui em sua experiência efetiva, não só num rítmo diurno e noturno como para o homem, mas também segundo os ciclos lunares…” 

Outra idéia fantástica, a meu ver, e de enorme pertinência é a visão da Deusa Virgem (espelho/metáfora para nós mulheres reais) como aquela Una-em-Si, ou usando sua definição:

 “…uma mulher que é virgem, una-em-si-mesma, faz o que faz não por causa de algum desejo de agradar, de ser apreciada ou aprovada, sequer por si mesma; não por causa de qualquer desejo de obter poder sobre outros, de ganhar seu interesse ou amor, mas porque o que faz é verdadeiro”.

Assim como essas duas idéias citadas acima, o livro permite reflexões profundas e intrigantes, mas ele não é muito simples de ler. É muito cheio de dados mitológicos e muitas vezes a linguagem torna seu entendimento um pouco confuso. 
Além disso, especialmente numa primeira leitura, existem posições e conclusões que ela toma muito machistas. Mas é preciso separar a visão de uma mulher que escreveu esse livro na década de trinta e o reviu na década de 50 do século passado, daquilo que ela descobre que é arquetípico, universal e atemporal. 
É um desafio que recomendo, mas que deve ser enfrentado sem pré-conceitos, tentando entender em profundidade o que de valioso o livro pode nos trazer e que não é pouco.

E mais importante, esse livro é um dos primeiros que vai se tratar do princípio Feminino sob a ótica da psicologia junguiana e foi a fonte onde “beberam” várias analistas contemporâneas que se dedicam ao tema, especialmente Marion Woodman. 
E é por isso, além dos méritos do próprio livro, que recomendo a leitura a todas e todos que queiram pensar sob a ótica da psicologia profunda sobre o Feminino e as mulheres!

Texto de Cristina Balieiro

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