Rito para lidar com mágoas, feridas, ofensas
Clarissa Pinkola sugere que se faça uma espécie de catarse ritualística para tratar das ofensas, calúnias, traumas, feridas, cicatrizes: é confeccionar um casaco de pano ou papel no qual você escreve, pendura ou desenha essas coisas. Também pode ser um xale, que é mais fácil de fazer, ou qualquer roupa velha que vc não usa mais e onde possa pendurar ou colar isso. Instruções abaixo:
“Às vezes no meu trabalho com mulheres mostro-lhes como fazer um capote expiatório longo, de tecido ou de algum outro material. Um capote expiatório é um casaco que descreve em detalhes, pintados ou escritos e com todo tipo de coisas costuradas ou pregadas nele, os insultos que a mulher sofreu na sua vida, todas as ofensas, calúnias, traumas, feridas, cicatrizes. É a sua afirmação da experiência da mulher de ser transformada em bode expiatório. Às vezes demoramos apenas um dia, ou dois para fazer um casaco desses; outras vezes demoramos meses. Ele é de extrema utilidade para a descrição de todas as mágoas, baques e golpes da vida da mulher.
À princípio, fiz um capote expiatório para mim mesma. Ele logo ficou tão pesado que precisou de um cortejo de musas para carregar a cauda. À minha intenção era a de fazer esse casaco e mais tarde, depois de ter posto todo esse lixo psíquico num único objeto psíquico, eu poderia dispersar uma parte da minha antiga fragilidade ao incinerá-lo. O que aconteceu, porém, foi que pendurei o casaco no teto do corredor e cada vez que passava por ele, em vez de me sentir mal, ei| me sentia bem. Descobri que admirava os ovários da mulher que podia usar um casaco daqueles e ainda estar andando inabalável, cantando, criando e abanando o rabo.
Descobri que isso também se aplicava às mulheres com que eu trabalhava. Elas nunca queriam destruir seus capotes expiatórios depois de prontos. Elas queriam guardá-los para sempre, quanto mais repulsivos e sangrentos, melhor. Às vezes, também os chamamos de mantos de combate pois eles são prova da resistência, das derrotas e das vitórias das mulheres como indivíduos e das suas parentas”.
Clarissa Pinkola Estés, Mulheres que correm com os lobos